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Amor após a morte

Amor após a morte

 

Amor após a morte

 

José Fernandes*

 

De repente senti algo estranho, senti uma dor terrível no meu peito e cai desacordado, permaneci sem sentidos por algum tempo, como se estivesse dormindo, não consigo precisar por quantas horas estive inconsciente, só sei que durou muito tempo. Isto aconteceu ainda de manhã cedo quando caminhava em direção a garagem localizada um pouco distante de casa para apanhar o carro e deslocar-me até meu escritório, no centro da cidade. Quando recobrei os sentidos estava estirado dentro de um caixão luxuoso, com as mãos cruzadas no peito, na sala de minha residência rodeado de amigos, parentes e muitas outras pessoas, algumas eu conhecia outras não. Elas formavam pequenos grupos e conversavam entre si a meu respeito e de vez em quando uma vinha até a beira do caixão para lançar-me um triste olhar.

 

Minha mulher chorava desconsoladamente abraçando meu corpo inerte. Fiquei horrorizado com aquela cena e tentei levantar-me mas não consegui sequer mover um dedo, tentei de todas as formas me mexer, descruzar os braços, tudo em vão, quis falar mas estranhamente minha voz não saia, por mais que me esforçasse, comecei a desesperar-me com aquela situação incômoda, mas percebi que de nada adiantaria e aos poucos procurei me acalmar buscando uma explicação lógica para o que estava acontecendo comigo naquele momento. Como seria possível eu estar deste jeito? Será que teria morrido e não sabia? Será que é isto que acontece quando agente passa desta para melhor? Pensei. Porém, logo descartei esta hipótese, pois eu via e ouvia as pessoas que estavam ao redor de meu caixão. Ouvia suas vozes falando a meu respeito, via meus filhos triste num canto, via e ouvia minha mulher, coitada, companheira de uma vida inteira de luta  árdua, chorando e lastimando-se junto a mim, a respeito de meu falecimento e de quanto nós nos amávamos.

A dor de minha mulher, seu sofrimento, aumentou meu desespero e ao vê-la chorar, lembrando de acontecimentos passados sem poder tocar-lhe, ou falar-lhe, comecei também a chorar, percebi que as lágrimas escorriam de meus olhos e me animei pensando: não estou morto, deve ser alguma coisa estranha, mas não estou morto, nunca vi dizer que morto chorasse, morto não chora. Minha alegria durou pouco, ouvi alguém dizer que aquelas lágrimas eram, na verdade, gotas de  água em conseqüência da reação térmica pela qual meu corpo estava passando, ou talvez, por causa do mal que me levou a morte prematuramente.

 

Minha mulher passou sua mão delicadamente sobre meus olhos fechando-os e aos poucos tudo foi ficando escuro, as vozes se distanciando, comecei a sentir uma estranha fraqueza se apoderando de meu corpo, um torpor, de certa forma, agradável se apoderou de mim, bem lentamente e comecei a sentir uma sensação de alívio, num misto de paz, sossego e tranqüilidade. As vozes, os sons de cadeiras sendo arrastadas, de passos de pessoas caminhando na sala desapareceram por completo, o silencio era total, parecia até que tinham me dopado com algum remédio para me fazer dormir e embalado naquele silêncio, profundo, adormeci.

 

Acordei com uma sensação difícil de explicar, parecia que algo dentro de mim queria se libertar, torna-se livre, mas algumas amarras invisíveis não permitiam, parecia que eu estava travando uma grande luta comigo mesmo, no entanto, sem saber o motivo. Sabe aqueles sonhos malucos que todo mundo tem uma vez ou outra, pois é‚ parecia assim, um negocio irreal, que não dá para contar, nem comparando com o que nós conhecemos no mundo carnal.

 

Ao despertar, percebi que estava deitado em uma cama com lençóis brancos, bem alvos, o leito era macio e confortável, ao abrir os olhos escutei uma voz feminina dizer para outra pessoa que estava sentado em uma cadeira de formato esquisito do outro lado do quarto que eu tinha acordado, ambos estavam vestidos estranhamente de branco, o sujeito levantou-se da cadeira e caminhou até a cama e sentou-se na beirada para falar comigo. Ao contrário de quando eu estava estirando dentro do caixão, agora podia mover-me e de supetão levantei-me caindo desajeitado no chão, percebi que bati minha cabeça com força no piso, mas não me machuquei ou senti dor alguma. Permaneci deitado no chão sem forças para levantar-me, olhando para o teto do quarto, lugar bonito, amplo e bem arejado, sentia um vento agradável que entrava pela única janela do aposento que estava entreaberta. Aquela, definitivamente, não era minha casa como cheguei a pensar ao recobrar os sentidos.

 

Respondendo minha pergunta, a pessoa que estava sentada na beira da cama disse-me que eu tinha morrido e que ambos eram espíritos de luz e que tinham sido enviados para ajudar a preparar-me para a longa jornada até o mundo dos espíritos, ao mundo espiritual. Só então, com esta revelação, dita assim, dura e friamente, sem rodeios, caí na amarga realidade. Cada resposta as minhas perguntas feriam-me como açoites, cortando minhas carnes, atingindo até o mais profundo de minha alma. Eu tinha de aceitar de uma vez por todas que estava morto e pronto, mas isto, dito assim, bruscamente, eu desaparecer da face da terra, do mundo dos vivos, tão de repente, fazia com que eu me revoltasse e não aceitasse aquela situação.

 

Minha dor e desespero foi maior ao saber que nunca mais poderia voltar para os braços de minha amada, nunca mais a abraçaria e isto me revoltou mais ainda. então falei ao espírito: como o destino poderia ser tão traiçoeiro? Que mal eu poderia ter feito para tudo terminar daquele jeito? Contei-lhe que tinha nascido em um lar muito humilde e ele como espírito de luz, já deveria saber disto.

 

Falei para ele que desde a tenra idade tive de trabalhar de sol a sol para ajudar no sustento de minha família, para sobreviver de tudo fiz um pouco, fui engraxate, vendedor ambulante, muitas privações passei, ia para escola, muitas vezes com fome, sem nunca desistir, sempre com o propósito de vencer na vida, de ser alguém e como espírito de luz, ele tinha obrigação de saber.

 

Disse-lhe que, a pesar de lutar com todas as forças de meu ser, não tinha conseguido melhorar de situação e aos vinte e cinco anos, ainda trabalhava como um burro de carga e que por mais que me esforçasse não conseguia progredir e ele como espírito de luz tinha obrigação de saber de meu sofrimento.

 

Relatei que, bolando por este mundo de meu Deus, encontrei minha alma gêmea, com quem me casei, humilde como eu, juntos batalhamos, passamos privações e degrau por degrau fomos vencendo as dificuldades, aos poucos nossos horizontes foram se ampliando, até chegarmos onde nós estamos e ele como espírito de luz, já deveria saber desta realidade.

 

Contei-lhe do meu primeiro encontro com minha mulher, dos olhares apaixonados, do primeiro beijo, do desejo, da chama do amor que ainda permanece acesa como no primeiro dia em que nos vimos. Falei do momento marcante, em que aos pés do altar juramos amor eterno e selamos nossos destinos para sempre e agora que nós tínhamos vencido, que iríamos usufruir do que com sacrifício amealhamos a vida inteira, justamente agora que iríamos colher os frutos do que plantamos, simplesmente morro? Não, não, eu não conseguia aceitar.

 

Perguntei-lhe aos prantos e aos gritos de desespero porque Não morri antes, quando ainda era criança, porque não morri quando não tinha nada na vida, nem dinheiro, nem um amor para deixar saudade? E agora sem mim, o que seria de minha mulher? Quem iria cuidar dela como eu fazia? Quem iria ampara-la na velhice que se aproximava?

 

De joelho, coisa que nunca tinha feito em vida, supliquei-lhe mais uma chance para viver ao lado dela. Agarrado às veste brancas do espírito, clamei por mais uma oportunidade de tê-la em meus braços, de sentir o sabor de seus beijos, de sentir seu perfume inebriante, de sentir o calor do seu corpo envolvendo o meu, pelo menos, só mais uma vez. Antes de perder os sentidos devido o grande esforço que fiz, percebi que o anjo chorava.

 

Mais uma vez acordei, agora foi em conseqüência de vozes sobressaltadas, pessoas num vai e vem frenético. Minha esposa estava aflita ao lado de um médico, que após examinar-me disse tranqüilamente que eu tinha sofrido um distúrbio cardiorespitatório, mas já estava fora de perigo e ressaltou que eu deveria procurar me cuidar melhor, uma vez que este mal é traiçoeiro, podendo levar-me à morte a qualquer momento. Abracei minha mulher, a cobri de beijos e cansado tornei adormecer.

 

Desta vez meu despertar foi de supetão, só que agora para a realidade, minha mulher perguntava porque eu estava chorando e a abraçando com tanta força, qual era o motivo de tudo isto, então contei-lhe o sonho estranho que tive e quão real ele me pareceu.

 

Ao sair de casa para o trabalho, pareceu-me ter enxergado uma pessoa pelo retrovisor, com vestes brancas a olhar-me, mas ao reparar uma segunda vez, com mais atenção não vi ninguém.

 

José Fernandes – Jornalista

Advogado.